Quinta-feira, 6 de Novembro: A Revolução de Outubro (filmes + debate)


Programa:


21h15 - “Reds”, de Warren Beatty (1981)


22h15 - “Maknho e a Ucrânia”, de Hélène Chatelain (1996)


23h15 - Debate


“Reds”, de Warren Beatty (1981) filme baseado na história real de John Reed, jornalista e escritor norte-americano que esteve na Rússia durante a Revolução de 1917 e que alimentou o desejo de uma revolução de cariz operário e socializante nos EUA. (nota: Visionamento parcial do filme);


“Makhno e a Ucrânia”, de Hélène Chatelain (1996), documentário sobre Nestor Makhno , revolucionário ucraniano que participou na organização de colectividades campesinas na Ucrânia rural que funcionavam sob princípios de autogestão e cooperativismo. Durante a Revolução de Outubro e no período de Guerra Civil o movimento de Maknho (o Exército Insurgente de cariz anarquista) aliou-se aos Bolcheviques para derrotar o exército Branco (as forças nacional-ex-czaristas). Mal os Brancos foram derrotados, a cúpula bolchevique mandou eliminar o movimento de Maknho. O líder ucraniano foi um dos poucos sobreviventes, tendo-se exilado em Paris.


Debate sobre a “Revolução de Outubro de 1917”. Contextualização histórica da Revolução; aspectos menos lembrados, como o papel dos anarquistas russos; desintegração da União Soviética e crítica à história oficial dos vencedores ou à defesa dominante de uma sociedade apolítica e do vazio.


Além do filme “Reds” e do documentário “Maknho e a Ucrânia” que serão exibidos , publicamos dois textos que visam estimular a discussão:

“A Revolução Russa e Portugal” (CESL – Círculo de Estudos Sociais Libertários); e “A Morte da História ou o Prestígio do Terror” (Gato Vadio).


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A REVOLUÇÃO RUSSA E PORTUGAL

Em 7 de Novembro –pelo calendário ocidental- assinala-se a efeméride do acontecimento que ficou conhecido na história como “Revolução Russa/ Socialista de Outubro ( de 1917)”, e que daria origem ao regime da “União Soviética”. Mas o que foi realmente a “Revolução Soviética”? Sob a forma de “Ditadura do Proletariado” –segundo a terminologia marxista – que regime, que espécie de Estado e governo se estabeleceu então? Que tipo de sociedade se pretendia construir? O Poder foi parar às mãos dos trabalhadores e do Povo ou o novo Poder constituiu-se -como todos os Poderes, do ponto de vista libertário - como (mais) um Poder sobre os trabalhadores e o Povo , ainda que falando em nome deles ?...E , para além de todos os mitos heróicos que inflamaram a imaginação e a vontade de mudar o Mundo de várias gerações de revolucionários sinceros, que passos foram dados com a Revolução Russa de 1917 no sentido da Libertação e da Emancipação da Humanidade, do Capitalismo e de todas as tutelas e desigualdades que avassalam o Mundo actual? Que sentido tem a Revolução Russa se não olharmos para os seus resultados a partir do fim do chamado “Bloco de Leste” e do retorno actual dos antigos países que o compunham – a começar pela própria Rússia – ao capitalismo e ao estado burguês mais miseráveis (para não falarmos já dos Estados ainda existentes que seguiram o seu modelo: China, Coreia do Norte e Cuba) ? A Revolução Russa foi “traída” , como defendeu Trotsky -uma das suas cabeças que caiu, depois de se ter revelado um dos principais militarizadores e o carniceiro das revoltas operárias e camponesas de 1919 e 1920 em Petrogrado, em Kronstadt e na Ucrânia ou, como começou, conforme o afirmaram os anarquistas Kropotkin, Emma Goldman e Rudolf Rocker (entre outr/o/as) não poderia ter tido outro resultado, dada a sua génese autoritária, por parte do partido comunista bolchevique?...

Hoje, aqui e agora, em Portugal, não é possível ignorar a existência de uma “sub-cultura” comunista ( no seu sentido histórico e mais vulgarizado) que foi e é um produto directo da “Grande Revolução Socialista de Outubro”de 1917.

Gerações de mulheres e homens prosseguiram - e muita gente afirma prosseguir ainda -os seus ideais, apesar de todas as transformações a que vimos assistindo desde há quase vinte anos…

-Porque essa “sub-cultura” influencia directamente ainda hoje, aqui e agora, amplos sectores da população portuguesa, nomeadamente sectores populares mais atingidos pela “crise” e pelo desenvolvimento capitalista, e alguns sectores da juventude mais (e muito justamente!) críticos relativamente ao actual desenvolvimento do capitalismo e porque esta “sub-cultura” condiciona inclusive estratégias de actuação nos movimentos sindical e popular;

-E porque essa influência começa em Portugal exactamente logo após a Revolução russa de 1917 – nomeadamente tentando apontar ao então pujante movimento libertário anti-capitalista existente em Portugal (CGT-Confederação Geral dos Trabalhadores, anarco-sindicalista, UAP-União Anarquista Portuguesa, etc.) o exemplo da “revolução soviética” como algo a seguir ( um punhado de homens unidos e bem organizados, um partido com uma disciplina de ferro, uma ideologia – o marxismo-leninismo - que não deixa margens à espontaneidade das massas trabalhadoras e populares, e pretende tudo dirigir, controlar e submeter à sua vontade…) , afigura-se hoje, tal como aos libertários de há 80 anos, como algo de extrema importância, seja frente aos devaneios neo-liberais (capitalistas) que predicam “o fim das ideologias” , seja frente às constantes tentativas de branqueamento e falsificação históricas –tanto por parte dos refazedores da História oficial como por parte das unilateralidades do “Partido”, repor e relembrar algumas verdades esquecidas:

Uma delas, é sem dúvida, o importante papel revolucionário que desempenharam os anarquistas russos na Revolução de Outubro e na guerra civil que se lhe seguiu, contra as forças da reacção burguesa russa e internacional.

Outra é/foi a impiedosa perseguição e aniquilamento dos anarquistas e anarco-sindicalistas russos – na Ucrânia, em Petrogado, em Kronstadt, em Moscovo, entre 1919 e 1921- pelo novo poder comunista-bolchevique – como de resto de todos os sectores operários e camponeses que protestavam contra a militarização e o trabalho forçado nas fábricas e na vida diária e contra a repressão das polícias “socialistas” e do “exercito vermelho” sobre os sectores populares…enquanto com a NEP (Novoya Ekonomika Politika), antigos patrões e gestores eram perdoados e regressavam à direcção das empresas com privilégios concedidos pelo novo poder “soviético”…

Com a sinalização desta data pretendemos mostrar também que se há alguma “receita” a seguir para uma real e necessária REVOLUÇÃO SOCIAL contra o capitalismo e os seus efeitos devastadores e causador de todas as misérias do mundo actual, ela NÂO é certamente a da “Revolução Socialista de Outubro”…E não apenas porque , como dizia o poeta libertário António José Fortes, “a revolução é um momento e revolucionário é-se em todos os momentos” mas porque a Revolução Social é um processo – que requer PRINCÍPIOS, UM PROGRAMA SOCIAL TANSFORMADOR, UMA ORGANIZAÇÃO, MÉTODOS, OBJECTIVOS e TÁCTICAS , a nosso ver HOJE MAIS DO QUE NUNCA , LIBERTÁRIOS.

Com o excerto do filme “REDS” primeiro, visualizando alguns dos aspectos mais heróicos –mas também mais polémicos - da “Revolução de Outubro” e depois com o DVD sobre o movimento anarquista camponês de Nestor Makhno na Ucrânia de 1919-20, pretendemos contribuir para a divulgação e conhecimento mais alargado dos factos históricos referidos bem como dos referenciais sócio-políticos e socialmente intervenientes do pensamento e ideário libertários em geral e ANARQUISTAS SOCIAIS em particular.

CESL-Círculo de Estudos Sociais Libertários J.AP

-Porto,Novembro de 2008


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A morte da História ou o Prestígio do Terror

Clamar pela morte da História é ainda uma ideologia.

Fazer acreditar que no fim do séc. XX se fechou um ciclo na História – e juntar ao velório do fim da História o fim das ideologias – é partir de dois equívocos: que o curso da História transcende a existência de cada um de nós como uma força imperativa que ultrapassa todas as possibilidades de um homem ser livre (e livre de uma narrativa dominante) e de jogar o seu desejo para aquém ou além de todas as Histórias possíveis; e justificar que acontecimentos políticos e sociais soçobraram nos países de Leste e na União Soviética (e processos efémeros noutras latitudes, como o período da Revolução dos Cravos para não ir mais longe) por estarem eivados de ideologia – como se a causa do falhanço de uma ideia política e social pusesse em causa qualquer ideia possível – contrapondo ao ciclo das ideologias (comunistas, vermelhas, utópicas, anarcas, idealistas…) o ciclo vivido actualmente de um tempo não-ideológico, onde o sujeito estaria para além de todas as ideologias e só no vazio criado pela queda da História – é o “último homem” nietzschiano? –, e onde valores e ideologias não estão mais impregnados na forma de dirigir os centros de poder que influem na vida de cada um de nós, dos governos centrais aos locais, às instituições públicas e privadas, aos estabelecimentos de Ensino (são estabelecimentos, certo?), às empresas, aos Media, etc. Por outras palavras, domina o discurso de que a História pisgou-se do imaginário colectivo e, em consequência, a sorte que impende sobre cada indivíduo não depende de uma relação política (ideológica) com os acontecimentos históricos em curso. Game Over. Do animal político e histórico do séc. XX ao animal a-histórico e a-político do séc. XXI.

O discurso que é produzido pelos centros de poder que incorporam a lógica do poder pelo poder, cujo intuito é perpetuar o "status quo" actual – grosseiramente, as elites financeiras e político-económicas mais poderosas, as classes mais ricas mais ricas, a classe trabalhadora mais pobre e operária (mais explorada, mais submetida à ideologia do trabalho), os problemas da fome, humanitários e ecológicos tornados discurso e mercadoria – evoca e celebra essa sociedade regida não pelo perigo hipotético e consciente dos valores e das ideias, mas pela cultura sub-reptícia e disseminada de conceitos como desenvolvimento, progresso, produtividade, bem-estar, crescimento económico, conhecimento exacto, que legitimam uma cultura da norma, das regras, da objectividade, do controlo do indivíduo, da tecnocracia, da estatística, do índice. Estes conceitos não têm sequer um conteúdo argumentativo – uma ideologia capitalista com pés e cabeça a que se possa contra-argumentar – não são premissas, fazem parte do discurso produzido. É a cadeia simbólica do embuste por excelência: o discurso é mercadoria, estes “conceitos” atrás mencionados são mercadoria, os signos usados para legitimar e explicar esta visão a-política, a-histórica e não-ideológica dos acontecimentos sociais em curso são a mercadoria, são o capital mais pernicioso e eficiente, que esconde a face asquerosa por detrás da produção do discurso: mais do que uma ideologia política e económica neo-capitalista baseada em argumentos, sustentada em princípios, o discurso visa alimentar a sede de poder, sustentar a obsessão pelo dinheiro e pelo cúmulo de riqueza, nutrir o egoísmo do prestígio, e legitimar a ignominiosa defesa de uma estratégia política, não raras vezes coligada internacionalmente (entre Estados, corporações financeiras, multi-nacionais), a todo o custo e independentemente dos meios, praticada por essa oligarquia em tri-felácio: poder, dinheiro e prestígio. E a palavra é a mais pervertida mercadoria do sistema actual já que, estrategicamente e cinicamente, é desligada de um referente ideológico, não é jurada, não obedece ao desejo de uma filosofia (ou mesmo, “crença”) política e económica, é o vazio com que se esconde uma ideia desesperada de poder, de ganância, de sobrevivência política. E pior que a alienação gerada por uma ideologia única, é viver a própria impossibilidade da desalienação – através do imaginário, da utopia, - na cultura contemporânea do excesso, da overdose de signos e bytes transformados em mercadoria, desta ideia sufocante e maldita da hiper-mercadoria ter saltado do plano da História, das ideologias, para o plano de um processo inexorável, sem origem nem fim, sem fronteiras nem horizonte, que nos controla do nascimento à morte, da maternidade à clínica. O capitalismo controla o mundo material, virtual e simbólico, através da nomeação e da “fetichização” dos objectos que deseja manipular. E não é improvável que a dissidência de um texto não seja imediatamente transformada num produto útil aos modos e processos do capitalismo…

Mas, admitamos que o que está em jogo não é essa deterioração do carácter humano, essa realidade comezinha da corrupção e mediocridade de um conjunto de homens poderosos, o tri-felácio: poder, dinheiro e prestígio. Vamos então à ideia do capitalismo como sistema político e económico – como ideologia.

A visão predominante do capitalismo actual pressupõe a exploração insustentável dos recursos da natureza sob o ponto de vista da subsistência desses mesmos recursos, encarando a natureza como “mercadoria” pura – ontologia do senhor face à escravização - ; trata o indivíduo, a nós, sem excepção (ninguém escapa) como “mercadoria”; pratica a lógica da produção e reprodução, (técnica, material, virtual, simbólica…) independentemente de superarem as necessidades humanas; estimula a especulação financeira; etc… Esta visão filosófica do mundo é justificada com a redenção de um salário e com a possibilidade de o sujeito fundar a felicidade humana e a sua liberdade na integração nessa roda-viva de exploração insustentável da natureza e na entrega da existência do indivíduo (60%, 70%, 80% da sua vida activa…?!) ao ciclo eu-mercadoria-gero-mercadoria.

E, então,…todos sabemos que não se pode acreditar nessa ideia. Economicamente absurda, ideologicamente sofrível, eticamente fascistóide. Que para essa ideia ser justa, democrática, socializante, era preciso acreditar que a felicidade humana dependesse desse sistema bárbaro de consumo e desperdício per capita de energia dos recursos da terra e da energia humana. Era preciso acreditar na exploração contínua do homem, do outro, nesse esclavagismo legal de estimação de uma minoria (minoria alargada que pode ir de uma multi-nacional ao café da esquina). Era preciso pôr-se na pele, por exemplo, da grande finança (quem quer?), ou de George Bush (agora é mercadoria…), ou de Durão Barroso (é mercadoria…), e declarar: eu faço parte dos 6 biliões de seres na terra e quero viver como vocês. Como faço?, pergunta-se. De forma injusta, indigna, antidemocrática, é seguir o exemplo. E de forma justa, democrática, socializante, o que seria preciso fazer para esses 6 biliões de pessoas poderem viver esse “sonho americano”, essa liberdade e bem-estar do homem-mercadoria? Essa mitologia do bem-estar e da liberdade humana conquistada através das práticas neo-capitalistas da produtividade elevada à potência e do lucro como mais-valia (mais-valia social?, distributiva?, democratizada?). “Para que isso fosse possível seria preciso matar três quartos da população da Terra e achar uma razão para tal; e aí, tampouco daria para manter o estilo de consumo “americano”, porque quem o garantia eram os três quartos que estavam fora dele…”, palavras de Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo brasileiro. Prossegue: “Toda a gente sabe que a noção de desenvolvimento é uma grande hipocrisia política e técnica. A noção de desenvolvimento é uma monstruosidade conceitual. Falar em crescimento económico sem dizer onde ele pára, sem ser claro quando, como e por que é que ele pára, é cinismo ou burrice. (…) é como se pudéssemos continuar até não se sabe quando. Depois vamos para Marte, para Vénus, vamos colonizar o espaço; e todo o mundo sabe que não vamos fazer isso. Todo o mundo sabe que o nosso problema é simplesmente adiar mais um pouquinho a extinção inexorável da espécie”.

Porque o que imaginam vocês, cada um de nós que lê este texto, que passa na cabeça de um homem, por exemplo George Bush, por exemplo Durão Barroso, que dorme o sono dos justos quando sabe que por causa do seu poder, da sua glória, da sua ganância, morreram e morrem milhares de homens e mulheres? Como pode subsistir hoje em dia o prestígio do terror na face desses dois homens sem que aconteça nada?

De novo a mercadoria em conclave numa ilha muito a Ocidente para anunciar mais um circo do ódio e do terror e da prepotência do ódio e terror, em nome da ordem mundial, em nome dos altos desígnios da civilização, e o Saddam é o culpado de tudo, de todo o mal do mundo, e o alto desígnio somos nós, és tu, tu e a tua mercadoria, o teu recibo verde, a tua jornada sem sentido das 9 às 5, as tuas horas extraordinárias saldadas pelo medo de perderes o teu call-center, os teus 450€ redentores de uma ideia, de uma existência humana!, ou o teu mestrado a crédito, o teu “sonho americano” McDonald ou Nouvelle Vague, o teu quotidiano burguês de shopping ou surrealista-situacionista, o teu destino operário-consumidor ou artista-consumido, tudo em nosso nome, em nome dos altos desígnios da civilização, dessa concepção de ódio e terror.

Parênteses: Se o que os EUA estão a fazer no Iraque é justo, então o que nos resta ainda ver para que possamos chamar injusta a uma guerra?

E os oportunistas do terror – aqueles que negligenciam o terror praticado por outros em nome de estratégia política – dançarão em redor do canto fúnebre de todos aqueles que sucumbiram ou vão sucumbir. As vítimas já estarão longe.

Durão Barroso (e Paulo Portas, José Maria Aznar, Tony Blair) é e continuará a ser o "carrasco" invisível das vítimas civis da invasão do Iraque.

E sabemos que ele esteve ali, na cimeira dos Açores, nem sequer pela falácia dos altos desígnios da civilização, mas pelo seu próprio esplendor. Porque a cobardia responde à coragem. Como a coragem responde à cobardia.

E se Sean Penn disse: LETS PUT THIS PRESIDENT IN FUCKING JAIL! (terá capital, será mercadoria?), por que é que ninguém diz: Durão Barroso deve ser julgado por cumplicidade por crimes contra a humanidade. (Não é mercadoria, é jurado; e fecha parênteses).

Esse discurso tornado mercadoria que se impôs no quotidiano – aí reside o seu alcance e o seu perigo – conseguiu, por um lado, desideologizar o drama interior de cada cidadão face à sua relação com a sociedade e o espaço político (não leiam partidário…), como se o desejo do individuo não devesse fazer parte do mundo das ideias, como se o desejo não fosse sequer o princípio de todas as ideias; e, por outro lado, pôs-se à margem do desejo e das ideias. Como se a decisão de um governo cortar no investimento da Educação ou da Saúde (ou estimular a sua privatização), como se financiar e cobrir a ganância dolosa de alguma Banca fosse justificável à luz da a-história (altos desígnios da civilização…) e cobrir o buraco da Segurança Social inadmissível à luz das ideias (socializantes?, solidárias? idealistas?), como se um patronato que te chula o corpo – alto desígnio da civilização – e te gala o salário, como se a tudo isso não correspondesse um desejo e uma ideologia: o desejo de ter mais, uma ideia de poder e de ganância assente na exploração do outro.

E a História não decide ser gananciosa ou poderosa. São ainda os homens que são livres de escolher a opressão ou a liberdade. Que ninguém se confunda com a História – nada mais medonho de que um povo ter uma História diria Henri Michaux – por que se alguém decide confundir-se com a História actualmente produzida, vendida, fetichizada – o showbiz da História – e usa ingénua ou conscientemente a nomenclatura do fim das ideologias, dos valores, está a legitimar e a escolher uma ideia de opressão, de esbulho, de extermínio, de hipocrisia no rosto contra o rosto do outro.

Porque a opressão é uma ideologia humana, não foi produzida pela história, no sentido em que nenhum homem é uma ideia. E contra ela, contra a ideologia da morte das ideologias, podemos escolher uma ideia de liberdade.

Infelizmente, a história da opressão ainda não acabou.

E daí o regresso à revolução de Outubro de 1917, - o que foi, o que não foi, etc – ou melhor, ao que estava em jogo no período da Revolução russa. Não importa tanto escalpelizar o período negro do regime comunista na União Soviética – a perseguição política em massa, as políticas imperialistas e a perseguição étnica, o controlo absoluto do Estado e de toda administração pública (Educação, Cultura, etc) – pois a nenhuma luz se justifica essas práticas e estratégias contínuas de manutenção de um poder totalitário por parte dos sucessivos governos da U. Soviética ; e, a nenhuma luz se legitima (e muito menos salva!) com o totalitarismo de um Komité o capitalismo avançado ou neo-liberal ou como queiram chamar.

O mais curioso, por parecer extravagante, é que a linha que vai da Rússia Czarista pré-revolucionária ao mundo de hoje não pode passar por cima das realidades concretas da maioria dos cidadãos deste mundo: opressão laboral, exploração económica, humilhação social, deterioração das liberdades do indivíduo e da sua subjectividade, acumulação de riqueza por elites restritas e o empobrecimento contínuo das classes trabalhadoras…mas estou ainda a descrever um mundo demasiado próximo da nossa realidade, das nossas verdades comezinhas e/ou das nossas contingências de vida do lado das sociedades ricas em que vivemos, porque não é retórico, num mundo que hoje se diz globalizado e democratizado, falar ainda da fome. Não é só o seu espectro que é largo, também o buraco no estômago de milhões de homens e mulheres (será mercadoria o buraco no estômago?, será um processo a-histórico?, será uma ideia humana sustentável?). E não são precisos números, índices, estatísticas, para saber o quanto ignóbil é haver fome na sociedade da abundância, do desperdício e da extrema produção de riqueza. Ou mais ignóbil, defender com unhas e dentes (e ogivas, claro) esta narrativa do “sonho americano”( made in Europa ou made in China, não importa).

Enquanto essa revolução continua por fazer, o czar continua a acenar à janela do seu palácio a-histórico, a reunir-se em conclaves ilhados que não dizem respeito à vida social e política de todos e, as decisões que ali se tomam, são apenas fogo-fátuo de um buraco-negro ideológico. Só que já não corre sangue azul nas veias (essa ideia melancólica, pequeno-desprezível e aristocraticazinha da monarquia), mas apenas dólares e euros e poder e libras e poder. Embriagado, o czar reinará e continuarão a rolar cabeças.

Não chega de miséria? De ganância? De exploração? Não chega de prestígio do terror? E chega de palavras.

Já aqui dissemos uma vez, com António José Forte: “A revolução é um momento, o revolucionário todos os momentos.”.

Os Vadios, 30 de Outubro de 2008. Porto.

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Quinta-feira, 6 de NOVEMBRO: A Revolução de Outubro (filmes + debate)

21h

Gato Vadio, rua do rosário 281

Organização: Terra Viva e Gato Vadio.