E hoje, sais à rua?



Ao Es.Col.A!

Há um poema, que já foi refeito e recriado, que ultimamente tem voltado a ser readaptado e posto à circulação:

“Primeiro levaram os anarquistas,
Mas eu não me importei
Porque não era nada comigo.
Em seguida levaram alguns operários,
Mas a mim não me afectou
Porque eu não sou operário.
Depois prenderam os sindicalistas,
Mas eu não me incomodei
Porque nunca fui sindicalista.
Logo a seguir chegou a vez
De alguns padres, mas como
Nunca fui religioso, também não liguei.
Agora levaram-me a mim
E quando percebi,
Já era tarde.”


Tod@s nós somos mais do que anarquistas, operários e sindicalistas, porque de facto não somos padres. Não pregamos, não temos bíblia, não te pedimos esmolas, não temos nenhuma hóstia para te dar a troco da tua liberdade de espírito, sobretudo não temos marretas, nem tasers, para que te ajoelhes e arrebanhado sejas. Os noss@s choques eléctricos são outros. Eu sei que tu já sabes de que tipo de electricidade corrente falo. Uma electricidade que nos perpassa e electriliza quem ao fluxo se junta. Só não desejamos ficar estáticos, porque há tanto a fazer numa realidade que quotidianamente nos impõe a violência social e económica, a injustiça humana e a impostura espiritual, o abandono e o desprezo, de uma classe de amos que reina do alto das centrais eléctricas de tasers e máquinas de electrochoques. Ainda não percebeste que a vida humana está em perigo? Não é estar vivo - ameaça que acontece noutras paragens mais indefesas em nome da mesma Electricidade Dominante Planetária Geral - é o ser-se humano que desaparece, como dizia George Orwell.

Lembras-te como aconteceu, no início, toda esta história do ES.Col.A do Alto da Fontinha? Como não quisemos ficar estáticos, não fomos bater à porta de quem sucessivamente demonstrou, ao longo de cinco anos, incúria por deixar arruinar um edifício público, descaso por abandonar uma possibilidade de utilidade pública, desprezo pela população carenciada envolvente. Nunca saltaste um muro sem permissão? E olha que não fomos lá para roubar a incúria, o descaso e o desprezo, ali deixados pela gestão camarária de Rui Rio. Esses valores, se ainda não sabias, são os dele. Não queremos nada disso, nem ontem nem hoje. O que fizemos depois já toda a gente sabe, até na TV falam do yoga, das aulas de acompanhamento escolar, da oficina de instrumentos musicais, da capoeira (mas sem Galos no poleiro...), da biblioteca e sala com computadores, dos espectáculos de teatro... Tudo sem pedir um tostão. Se quiseres, tudo por amor à causa. Sim, agora falam dos jantares colectivos, falam de assembleias colectivas, dos filmes e documentários. Agora até falam do xadrez, onde meteram dois companheiros. Talvez eles tenham lançado, com um pouco de mais fôlego, as injúrias que tod@s lançamos. Vais-me dizer, além de já teres saltado muros sem permissão, que também insultaste por três vezes e baixinho o homem que esteve por detrás da decisão de despejar com violência organizada a democracia que ali se fazia e ele não faz, espezinha e há muito vendeu, a troco da mentira do lucro?

Então, se saltas muros e as injúrias não chegam para classificar a cobardia desse homem, ainda duvidas que tudo isto não tem a ver contigo?
Eu sei, tens ainda a bíblia da lei. Não somos parvos, reconhecemos que ela é uma arma de controlo humano mais eficaz que um pacote de milhões de tasers com um episódio completo dos talk-shows da Júlia Pinheiro. Vê-se à distância, como a lei reúne e estabiliza a protecção da elite política; sente-se cada vez mais, como a lei reforma e expande a hegemonia das elites financeiras e económicas. Mas, como não som@s padres, esquece este esguicho de água especulativa. Voltemos à água da Fontinha, voltemos ao teu nariz que ainda se torce um bocadinho quando se ouve as meias-verdades e manipulações dos guarda-livros (agora também pilham) da Câmara do Porto, quando estes dizem que havia um contrato que foi rejeitado selvaticamente. Então espera, já saltaste muros e sussurraste aquelas carvalhadas típicas da humanidade do património, mas para ti há um problema técnico nesta questão? Para ti, tudo isto é um problema de secretaria? Não te iludas. Ainda assim, talvez mudes de opinião se levares em conta que também na parte processual (arrastada e chatérrima) de resolver a reocupação da escola do Alto da Fontinha, após o primeiro despejo a mando da gestão Rui Rio, o Es.Col.A demonstrou uma maturidade, inteligência e tolerância, que a Câmara não revelou em toda a questão processual. Decidimos dialogar com quem impõe uma forma de organização da vida colectiva que fomenta o primado do interesse privado sobre o interesse público; decidimos dialogar com quem restringe a informação e os dados públicos aos munícipes; decidimos dialogar com quem tem como visão de emancipação humana a hierarquia de poder do quero-posso-e-mando. Decidimos dialogar com quem chama a polícia onde alastra a liberdade e a democracia directa e popular.

Tivemos a maturidade, através da razão, da transparência e da livre circulação de informação, de fazer cair a máscara dos falsos democratas; tivemos a inteligência de praticar a solidariedade, o consenso e a ajuda mútua, desferindo com esses valores uma bofetada de luva branca nos valores da eficácia, competição, poder e lucro defendidos pela actual CMP; tivemos a tolerância de esperar por ti, que ainda não sabias que não somos só anarquistas, operários e sindicalistas, que a nossa energia vive disso e muito mais, transcende tudo isso quando queremos experimentar a autonomia de viver, reunir a força de transformar em comunidade, espalhar a libertária forma de emancipar o mundo à nossa volta.

Nós, decidimos dialogar com quem, enquanto promove a venda do teu património ao capital privado e despejou pessoas de bairros sociais munindo-se e congratulando-se do alto de uma lei de despejos da ditadura do Estado Novo, nunca teve a coragem de vir ao Alto da Fontinha. Todos os dias a cobardia de um homem se passeia a 1000 metros da escola da Fontinha, fugindo do diálogo e da democracia que o Es.Col.A liberta por dela ter medo, ao mesmo tempo que usa de meios públicos para vender nos jornais a imagem de falso-diálogo e de falso democrata.

Tu és democrata? Não nos percamos outra vez em especulações... Agora é a tua vez de esquecer a tua água benta... Voltemos à Fontinha. Diz-me, és democrata pela via indirecta com o Rui Rio, ou és democrata pela via directa connosco? Estás com a cobardia de quem se protege com a polícia e a violência organizada, ou estás com quem veio com a coragem humana de transformar a vida que vem antes da lei?
Nós não temos nada contra a lei. Viemos ao mundo antes dela e é antes dela que afirmamos os valores humanos que defendemos.
Já olhaste para o relógio, passa das cinco da tarde, faz-se tarde, faz-se cada vez mais tarde. Será que neste momento sais do trabalho, da escola, do café, será que chegou a tua vez?

Vadio